"Nada em biologia faz sentido senão à luz da evolução", ensinava o grande geneticista ucraniano Theodosius Dobzhansky (1900-1975). E a biologia, sabemos hoje, está na base até dos mais insuspeitos comportamentos sociais humanos. Nesse espírito, tentarei reunir no artigo de hoje dois assuntos aparentemente desconexos: aposentadorias no setor público e menopausa.
Como escrevi na coluna impressa do último domingo na Folha, não me oponho à ideia da aposentadoria compulsória no setor público. Podemos certamente discutir se ela deve ocorrer aos 70 anos, como é hoje, aos 75 ou qualquer outra idade. Também precisamos formular a regra de forma menos draconiana, para evitar situações como a do ministro Antonio Cezar Peluso, que se viu impedido de participar do julgamento do mensalão. A necessidade de deixar o cargo "a partir do dia imediato àquele em que atingir a idade-limite" (art. 187 da lei nº 8.112) é coisa de quem acredita em horóscopo, não de quem pretende imprimir eficácia e racionalidade à administração.
É claro que os que defendem o fim da compulsória têm argumentos. Eu diria até que são poderosos. Como ocorre em todos os países que estão por completar sua transição demográfica, a população do Brasil está envelhecendo. Em 1980, menos de 2,5% das pessoas ultrapassava os 70 anos; em 2010, essa fatia chegou perto dos 4,5%; e, em 2050, deverá exceder os 15%.
Assim, a menos que tenhamos o objetivo explícito de destruir qualquer sistema previdenciário, precisamos não apenas pedir como também obrigar as pessoas, tanto no setor estatal como no privado, a trabalhar por mais tempo.
Há, contudo, algumas especificidades que precisam ser observadas. Nas instâncias mais burocráticas e aborrecidas do serviço público, o funcionário tende a aposentar-se tão logo reúna as condições legais para fazê-lo, o que costuma ocorrer muito antes do aniversário de 70 anos. Mas existem alguns lugares onde o servidor tende a permanecer. São os tribunais e as universidades. Neles, antiguidade no cargo costuma significar poder, e a maioria das pessoas não abre mão de poder. Daí que, nestes casos, a compulsória, carinhosamente apelidada de expulsatória, não tem apenas o objetivo de evitar que o Estado explore o funcionário até a última gota de suor mas também o de abrir espaço para a renovação.
Um bom jeito de bloquear avanços na jurisprudência ou na ciência é manter cortes superiores e postos-chave das universidades cheios de velhinhos. O Supremo dos EUA sofre um pouco desse problema, já que ali os "justices" ficam no cargo até a morte ou até decidirem eles próprios aposentar-se. William O. Douglas, por exemplo, passou 36 anos no cargo. Na Europa, já há a tendência oposta de designar ministros de cortes superiores para mandatos fixos. Eles devem ser longos, para garantir a independência do magistrado em relação àqueles que o indicaram, mas não tão extensos que comprimam a renovação.
Como escreveu o filósofo da ciência Thomas Kuhn (1922-1996) citando Max Planck (1858-1947): "Uma nova verdade científica não triunfa porque os que se opunham a ela veem a luz e saem convencidos, mas porque eles acabam morrendo e surge uma nova geração mais familiarizada com ela". Nós, humanos, para o bem e para o mal, temos o hábito de nos apegar a nossas ideias. Quando julgamos tal atitude positiva, chamamo-la de coerência, quando não, de teimosia.
Isso nos remete a um problema comum entre a biologia e a previdência social: o que fazer com os velhos? Como disse alguns parágrafos acima, as mudanças demográficas por que passa a sociedade exigem que as pessoas se mantenham na ativa por mais tempo. Mas isso não significa que elas precisem desempenhar exatamente as mesmas funções nem atuar da mesma forma. O papel ideal de cada um é o resultado das interações entre o autointeresse e as pressões socioambientais.
A analogia aqui é com a menopausa. Ela é, segundo o saboroso livrinho "Why Is Sex Fun: The Evolution of Human Sexuality", de Jared Diamond, um dos aspectos mais bizarros da sexualidade humana. Por que mulher precisa encerrar subitamente suas funções reprodutivas mesmo tendo ainda algumas décadas de vida pela frente? Por que o homem não passa por um processo semelhante? Para não dizer que se trata de um caso único entre as espécies, há indícios de que as baleias piloto também experimentem um tipo de menopausa. De toda maneira, existem motivos para acreditar que se trate de um fenômeno relativamente raro no mundo animal.
A resposta mais óbvia para o problema é que mulheres, ao contrário de homens, têm um estoque finito de células germinativas. Quando os óvulos se esgotam, não há mais como manter o aparelho reprodutivo em funcionamento.
Mas essa é uma daquelas respostas que responde pouco. Por que as mulheres acabaram ficando com genes que as fazem ter um número limitado de óvulos? E, mesmo considerando que isso fosse inevitável, porque elas não apresentam uma queda contínua da fertilidade, a exemplo de outros primatas, sem ter de passar por um fechamento abrupto da fábrica? Vale ainda observar que nossas outras funções vitais seguem o modelo da decadência lenta, não o da parada brusca.
Décadas e décadas de especulações ainda não oferecem uma explicação definitiva, mas Diamond apresenta algumas ideias que ao menos param em pé. Como sempre, estamos diante de um caso de ajuste fino entre interesse genético e pressões ambientais.
No mundo pré-histórico em que nos desenvolvemos, quanto mais velha era uma mulher, maior era a probabilidade de ela já ter gerado um certo número de bebês, dos quais alguns deveriam ter sobrevivido. Se ela morresse no parto de uma gravidez subsequente, o que não era absolutamente incomum antes da medicina e dos exames pré-natais, colocaria em risco todo o investimento que já fizera nos filhos preexistentes, já que uma criança humana depende dos pais, especialmente da mãe, durante muitos anos.
Assim, à medida que ela produz mais filhos vai deixando de ser interessante para seus genes gerar mais, sendo preferível esforçar-se para assegurar que a prole existente sobreviva. O mesmo raciocínio não se aplica ao homem, cujo investimento em gametas não é tão alto (em tese, cada macho tem recursos seminais para, em um ano, fertilizar todas as mulheres do planeta) e que não corre o risco de morrer de parto.
Nesse contexto, a menopausa surge como solução para todos os problemas. Depois de um certo número de rebentos, um tipo de acumulação primitiva, a mulher já é uma capitalista genética e adota um perfil mais conservador: fecha a fábrica para não se expor a riscos desnecessários e segue uma estratégia de investimento para obter retorno de longo prazo, dedicando-se aos filhos mais novos e aos netos.
A coisa parece funcionar. Medidas realizadas com uns poucos grupos de caçadores-coletores mostram que são as mulheres pós-menopausa (que não amamentam nem precisam carregar crianças de um lado para o outro) as que mais trazem calorias para a mesa da família, provavelmente devido à combinação de experiência com disponibilidade.
A natureza, após milhões e milhões de anos de tentativas e erros, encontrou um modo de inserir a mulher mais velha de forma bastante produtiva no grupo. Na verdade, não era apenas a mulher. Em sociedades tradicionais, anteriores à escrita, os idosos eram extremamente valiosos porque carregavam informações que poderiam determinar a sobrevivência ou a extinção da comunidade.
Diamond conta o caso de um grande tufão que, provavelmente em 1910, devastou Rennell, no arquipélago das Ilhas Salomão. Diz a memória coletiva que os rennell só sobreviveram porque os velhos de então lhes ensinaram quais espécies de plantas e frutos, que em condições normais não são comidos, poderiam ser consumidos e a forma de prepará-los.
É verdade que, na era da internet onde terabytes de dados brutos estão a um clique de distância, o papel dos idosos como repositório de informações fica diminuído. Isso não significa, contudo, que eles tenham se tornado dispensáveis.
O que precisamos é encontrar um ponto ótimo entre a necessidade de renovação e de preservação da experiência. No caso das mulheres, a natureza levou milhões de anos para encontrar uma fórmula eficaz. Espero que sejamos um pouco mais rápidos.
[Hélio Schawartsman]
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