segunda-feira, 10 de setembro de 2012

As ilhas da fantasia nacionalista da Ásia Oriental



Não parecem grande coisa, os poucos rochedos desabitados no Mar da China Oriental entre Okinawa e Taiwan, e um par de pequenas ilhotas no Mar do Japão, habitadas por um punhado de pescadores e alguns oficiais da Guarda Costeira sul-coreana. Os primeiros, chamados de Ilhas Senkaku no Japão e Ilhas Diaoyu na China, são reivindicados pela China, Japão e Taiwan; as últimas, chamadas Takeshima no Japão e Dokdo na Coreia, são reivindicadas pela Coreia do Sul e pelo Japão.
Estes pequenos afloramentos rochosos têm pouco valor material, porém a disputa sobre a sua propriedade levou a uma desavença internacional importante. Foi ordenado o regresso de embaixadores. Organizaram-se grandes manifestações anti-japonesas por toda a China, causando danos a pessoas e propriedades japonesas. Trocam-se ameaças entre Tóquio e Seul. Até já se falou de acção militar.

Os factos históricos parecem na verdade bastante simples. O Japão ocupou as ilhas como parte do seu projecto de construção de um império depois da guerra sino-japonesa em 1895 e da anexação da Coreia em 1905. A soberania anterior é pouco clara; havia pescadores do Japão em Takeshima/Dokdo e a China Imperial tinha alguma consciência de Senkaku/Diaoyu. Mas nenhum estado apresentou reivindicações formais.

As coisas complicaram-se mais após a II Guerra Mundial. O Japão deveria ter devolvido as suas possessões coloniais, mas os Estados Unidos ocuparam as Ilhas Senkaku juntamente com Okinawa, antes de devolver ambas ao Japão em 1972. Os coreanos, ainda enfurecidos com o Japão por quase meio século de colonização, tomaram as ilhas Dokdo sem se preocuparem com a legalidade da acção.

Dada a brutalidade da ocupação japonesa na Coreia e na China, somos naturalmente inclinados a simpatizar com as antigas vítimas do Japão. As emoções explosivas inspiradas por esta disputa – alguns coreanos até se mutilaram em protesto contra o Japão – sugerem que as feridas da guerra japonesa na Ásia ainda estão abertas. Na verdade, o Presidente sul-coreano, Lee Myung-bak, aproveitou a ocasião para exigir ao imperador japonês desculpas formais pela guerra e compensações financeiras para as mulheres coreanas que foram forçadas a servir os soldados japoneses em bordéis militares durante a guerra.

Infelizmente, o governo japonês, apesar de muitas provas circunstanciais e mesmo documentais fornecidas por historiadores japoneses, escolheu agora negar a responsabilidade do regime militar por esse sinistro projecto. Previsivelmente, essa posição inflamou ainda mais as emoções coreanas.

E contudo seria demasiado simples atribuir a actual disputa apenas às feridas abertas pela última guerra mundial. Os sentimentos nacionalistas, atiçados deliberadamente na China, na Coreia e no Japão, estão ligados à história recente, é certo, mas as políticas que os justificam são diferentes em cada país. Como a imprensa dos três países é quase autista na sua recusa de espelhar qualquer perspectiva para além do ponto de vista “nacional”, estas políticas nunca são convenientemente explicadas. 

O governo comunista na China já não pode derivar qualquer legitimidade da ideologia marxista, e muito menos da ideologia maoísta. A China é um país capitalista autoritário, aberto a negócios com outros países capitalistas (inclusive com importantes relações económicas com o Japão). Desde a década de 1990, portanto, o nacionalismo substituiu o comunismo como a justificação para o sistema do partido único, o que obriga a atiçar sentimentos anti-ocidentais – acima de tudo, anti-japoneses. Isto nunca é difícil na China, dado o passado doloroso, e utilmente desvia a atenção pública dos defeitos e das frustrações associados à vida numa ditadura.

Na Coreia do Sul, um dos legados mais dolorosos do período colonial japonês provém da colaboração generalizada da elite coreana da altura. Os seus descendentes ainda desempenham um papel importante na facção conservadora do país, e é por isso que os esquerdistas coreanos clamam periodicamente por purgas e retaliações. O Presidente Lee é conservador e relativamente pró-japonês. Como resultado, os japoneses vêem as suas exigências recentes de desculpas, dinheiro, e reconhecimento da soberania coreana sobre as ilhas no Mar do Japão como uma espécie de traição. Mas, precisamente porque Lee é visto como um conservador pró-japonês, ele precisa de brunir as suas credenciais nacionalistas. Não pode dar-se ao luxo de ser manchado pelo colaboracionismo. Os seus opositores políticos não são os japoneses, mas sim a esquerda coreana.O uso da guerra para atiçar sentimentos anti-japoneses na China e na Coreia incomoda os japoneses, e desencadeia reacções defensivas. Mas o nacionalismo japonês também é alimentado por ansiedades e frustrações – especificamente, o medo do crescente poderio chinês e a dependência completa do Japão relativamente aos EUA no que diz respeito à sua segurança nacional.

Os conservadores japoneses encaram a constituição pacifista do seu país, escrita por norte-americanos em 1946, como um assalto humilhante à soberania japonesa. Agora que a China está a testar o seu crescente poderio reclamando territórios, não só no Mar da China Oriental, mas também no Mar da China Meridional, os nacionalistas japoneses insistem em que o Japão aja como uma grande potência e seja visto como um protagonista sério, completamente preparado para defender a sua soberania, mesmo que sobre uns rochedos insignificantes.

A China, a Coreia e o Japão, cujos interesses económicos estão interligados, têm todas as razões para evitar um conflito sério. E contudo os três países estão a fazer o seu melhor para iniciar um conflito. Por razões puramente internas, cada país está a manipular a história de uma guerra devastadora, desencadeando paixões que só poderão causar mais danos.

Políticos, comentadores, activistas e jornalistas em cada país falam continuamente sobre o passado. Mas estão a manipular as memórias com fins políticos. A verdade é a última coisa que interessa a qualquer um deles.
                      [ Ian Buruma]

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