CARTA ABERTA AO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, SUA EXCELÊNCIA ARMANDO EMÍLIO GUEBUZA SOBRE A GREVE NA SAÚDE
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Excelência,
Iniciou à 20 de Maio de 2013 a 2ª greve dos médicos, desta vez junto dos profissionais da saúde em Moçambique. Esta greve tem assumido contornos bastante graves, na medida em que afecta sobremaneira a qualidade de vida dos moçambicanos, colocando-os em risco de vida, chegando a causar mortes em muitos casos. Escrevemos-lhe na qualidade de responsável último da governação em Moçambique, qual “o mais alto magistrado da nação”.
Acreditamos,pois, que é de interesse de V. Excia que os cuidados médicos e medicamentosos sejam prestados com a necessária qualidade para os moçambicanos, por profissionais de saúde satisfeitos, orientados por um governo sensível e capaz de suprir as necessidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Escrevemos por acreditar que o governo tem ou pode encontrar à breve trecho as soluções, não só no sentido de parar com a greve, mas também para melhorar outros aspectos do SNS.
Escrevemos para V. Excia porque notamos e estamos convencidos que os interlocutores (Ministério da Saúde vs Associação Médica de Moçambique e Comissão dos Profissionais de Saúde Unidos) não estão a dialogar de forma frutuosa mas sim usando uma estratégia hesitante com efeitos nefastos para os utentes do SNS, justificando-se deste modo a intervenção frutífera, URGENTE e inadiável de V. Excia como o garante final da Constituição da República e da estabilidade social e política de Moçambique. Intervir não significa só “apelar”. Se o “o mais alto magistrado da nação” intervém apelando, o que será dos outros sectores da sociedade sem poder de decisão?
Excelência,
Embora ainda escassa, a experiência democrática dos moçambicanos, quer em processos sociais, políticos, como económicos, permite-nos perceber a situação difícil em que o governo se encontra, todavia, importa assumir as responsabilidades, decidir e resolver este conflito, por dois entre vários motivos: a) Se não fosse difícil não haveria necessidade de eleger governantes em Moçambique, b) houve várias oportunidades para resolver a situação de forma mais pacífica, mas o governo preferiu fazer aquilo que em gíria chama-se de “táctica de avestruz”,ou seja, fingir que não está a ver e adiar os problemas. É do nosso conhecimento que os profissionais de saúde endereçaram mais de 15 cartas aos órgãos do Estado, incluindo ao governo chefiado por V. Excia, entretanto,nenhuma delas se dignou sequer a responder. O Governo nem sequer informou aos médicos sobre os valores concretos dos aumentos/reajustes salariais que estava a equacionar. Esta atitude absolutamente reprovável e de não dialogo empurrou os profissionais da saúde para a única opção que lhes restava – a greve – com todos efeitos nefastos para a sociedade, para a governação e particularmente danosos para o pacato cidadão, desprovido quer de poder financeiro para recorrer às clínicas privadas e como de poder político para beneficiar das caríssimas e famosas juntas médicas para o estrangeiro.
Queremos recordar que a causa da greve não é apenas a falta de dinheiro como o MISAU faz transparecer, mas principalmente a falta de vontade de negociar e encontrar meio-termos revelada pelo governo. A falta de vontade ou incapacidade de dialogar, de criar consensos. Não está em causa apenas o dinheiro, Excelência, mas sim os valores éticos e morais mais sublimes na relação entre os governantes e os governados. Falamos de valores como respeito mútuo! Falamos de princípios, Excelência. Princípios como equidade, justa partilha da dita “pouca” riqueza do país. Excelência, parece que o seu Governo se esqueceu dos valores, dos princípios e dos pressupostos básicos de governação participativa. Não significa apenas dinheiro, mas sim acima de tudo RESPEITO!
O caderno reivindicativo dos profissionais de saúde assenta-se em duas linhas essenciais: A questão salarial e a questão dos “Estatutos dos Médicos”. Não se percebe porquê os Estatutos não foram submetidos à Assembleia da República como estava previsto no Memorando de Entendimento que o Governo e a AMM assinaram! Aparenta ser por falta de vontade política, se estivermos errados nos corrija, Excelência.
Senhor Presidente,
É do nosso conhecimento que já à 20 de Julho de 2007 foi submetido à Unidade Técnica de Reforma do Sector Pública (UTRESP), hoje adstrita ao Ministério da Função Pública, uma proposta de “Estratégia Geral da Reforma Salarial 2007-2015”, na função pública, no entanto, 6 anos depois a mesma continua a consumir pó nas gavetas dos vários pelouros, com destaque para o da Ministra Victória Diogo. Na altura, a proposta já diagnosticava o caso de Moçambique entre os países cuja política salarial era basicamente “reactiva” e até hoje não mudou! Este modelo de gestão da coisa pública propicia o surgimento de conflitos entre as classes profissionais e entre o Estado e os seus funcionários.
Excelência,
Queremos assinalar que não é função dos profissionais de saúde pensar sobre a proveniência do dinheiro para a criação de condições básicas de trabalho ou para salários/pagamentos condignos. Pois só o governo detém as necessárias informações sobre onde, como, porquê e quando aloca o orçamento para determinados sectores e rubricas. Todavia, importa recordar que os profissionais da saúde e a população em geral têm a percepção mais ou menos clara de que há dinheiro no Estado, senão muito, pelo menos o suficiente para criar condições dignas e equitativas, pelo que os mesmos também merecem a sua justa e merecida parte do dinheiro do Estado. É percepção generalizada de que se o país não tivesse dinheiro, os governantes não teriam tantas regalias. Se não houvesse dinheiro, não teriam sido alocado tantos e caríssimos helicópteros para as presidências abertas. Não assistiríamos de forma cíclica e crónica o desvio de fundos do Estado para os bolsos de particulares sob o impávido olhar aparentemente da justiça.
Vários académicos já vieram à público mostrar que a política de distribuição da riqueza através do Orçamento do Estado obedece a critérios pouco claros (para não dizer outra coisa), sendo o mais emblemático o livro “A Economia Política do Orçamento em Moçambique” da autoria do Economista moçambicano, o Roberto Tibana e Tom Hodges, publicado em 2005. Mas pouco ou nada foi feito para mudar isso.
Excelência,
Senão houvesse dinheiro o reembolso dos vulgo “7 milhões”seria obrigatório. Senão houvesse dinheiro não teríamos as “chorudas” isenções fiscais para os megaprojectos e muito menos ainda a (deliberada?) exploração ilegal e descontrolada de madeira e outros recursos naturais, como por exemplo os pesqueiros que não pagam os devidos e justos impostos para o Estado. Ou seja, a percepção que existe é que há dinheiro, todavia o Governo de Moçambique discrimina certos funcionários públicos, favorecendo outros, sem critérios claros. No Governo do malogrado Presidente Samora Machel, o médico ganhava metade do que auferia o Presidente da República. Hoje ninguém sabe quanto ganha sequer um ministro. Apenas sabemos que há sectores com rendimentos a duplicar ou mais os salários de seus congéneres do sector da saúde. Porquê esta diferença, Excelência?
Senhor Presidente,
Para finalizar, gostaríamos uma vez de lhe lembrar que não cabe aos profissionais de saúde calcular e encontrar os números que satisfaçam as suas reivindicações, mas sim quem governa.
Estamos à escassos momentos de propor e aprovar o orçamento rectificativo. Esta é uma oportunidade para enquadrar em termos orçamentais.
Excelência,
O recurso à força como alternativa ao diálogo e negociação é típico de regimes brutais e ditatoriais. Pelo que não podemos terminar esta carta antes de repudiar o uso excessivo e desproporcional do poder da força para travar os profissionais de saúde que se manifestam de acordo com a constituição. O Senhor é o garante da Constituição. É mais reprovável ainda,quando do uso abusivo da força resulta a detenção do líder da greve, o Dr. Jorge Alexandre Harrisson Arroz em circunstâncias absolutamente não justificáveis, quer sob ponto de vista legal, ético assim como humano.
Excelência,
Saudamos a sua iniciativa de visitar o Hospital Central de Maputo e apelar aos profissionais de saúde para que voltem aos seus postos de trabalho. Contudo, como referimos anteriormente, “apelar” apenas não basta para o calibre e Estatuto de um Chefe de Estado e de Governo. Pelo que PROPOMOS que ABANDONE O CONFORTO DA PONTA VERMELHA, NEGOCIE, DIALOGUE, LIDERE E SOLUCIONE com carácter de URGÊNCIA, queria dizer, EMERGÊNCIA! Pois cada segundo perdido no sofá da Ponta vermelha, ou em encontros económicos e políticos no oriente pode significar mais uma, mais duas, três ou até milhares de vidas perdidas, no Hospital Central de Maputo, em Chicualacuala, Sussundenga, Ionge ou mesmo Murrupula, onde Vossa Excelência terá nascido.
Resolva a situação Excelência! Lidere Senhor Presidente!
Como devido respeito,
Os Signatários
LISTA DE ASSINANTES DA CARTA ABERTA AO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, SUA EXCELÊNCIA ARMANDO EMÍLIO GUEBUZA SOBRE A GREVE DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE
- Napoleão Henriques Viola
- Nelson Joel Tchamo
- Fernando Menete
- Edgar Kamikaze Barroso
- Agostinho Augusto
- João Bruno Craveirinha
- Ângela de Sá
- Anselmo Matusse
- Jorge Jemuce
- Patrícia Ramgi
- Núria Waddington Negrão
- António Kawaria
- Samson Fumo
- Ivan Tancredo Nhamposse
- Elísio Leonardo
- Noelma Lourenço
- Sandramo António
- Fernando Matias Bacar
- António Joaquim Mondlane
- Odibar João Lampeão
- Abel Sainda
- Telma da alegria Soda
- Ivania Chebeia
- Palmerim Chongo
- Elisio Leonardo
- Paulo Bouene
- João Mendes
- Leonel Napita
- Alcides de Amaral
- Michael César
- Luís Nhachote
- Helder Rufino Companhia
- Sérgio Zilhão
- Rabia Ussy
- Henoch Jemusse
- Venâncio Mondlane
- Xavier Ninlova
- Helder Malauene
- Ivo Vicente
- Chigamanhane Mazanga
- Agostinho Machava
- José Maria Manejo
- Augusto Gildo Buanaissa
- Zeinah Djane
- Lúcia Jofrisse
- Denise Andorinha
- José Jeco
- Paula Monjane
- Celso Gabriel
- Júlia Pedro
- Augusta Chabuca
- Okito Cooper
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